terça-feira, 18 de outubro de 2016





O presente

Presente não existe; faz parte da alienação da mente humana incapaz de entender o universo, o espaço-tempo que nos envolve de todas as formas. Talvez eu pudesse dizer que o presente é demasiadamente dinâmico para ser nomeado: antes que possa receber um nome, já deixou de ser. O presente começa a ser e deixa de ser a todo instante, não sendo, portanto, possível contabilizar o seu tempo. Ele dura apenas instantes incalculáveis; instantes de tempo indeterminado; ou mesmo instantes sem tempo, talvez sem instantes. O passado, sim, existe, ou existia, ou existiu, ou existira; e cresce a cada instante. Quanto tempo dura um instante? São cousas que a mente humana é incapaz de compreender. Eu também não compreendo; estou escrevendo sem compreender; escrevendo sobre algo que nem sou capaz de escrever; escrevendo simplesmente porque quero escrever, teimo em escrever. Digo, porém, que o presente sempre está presente, e sempre esteve presente, e sempre estará presente. O tempo sempre te presenteará com o presente.
O passado engole o futuro constantemente como uma muçurana engolindo outra cobra de mesma espessura que ela. É como se dois corpos antes distintos se fundissem e ocupassem o mesmo lugar no espaço. E esse momento da deglutição é o presente. Então o presente é constante? Ou o presente nem mesmo existe? Parece que o que realmente existe é um puro passo do passado ao futuro: passando do passado com um passo. Até mesmo o passado passa para o passado do passado: o pretérito-mais-que-perfeito. Mas, que perfeito! É o domínio do pretérito. Mas o que é o passado além de um futuro abandonado e empoeirado como um livro velho em uma estante?
Procurei compreender o presente na física, na malha espaço-tempo, na Teoria da Relatividade Geral de Einstein. O que encontrei foi um vídeo, onde uma barra chamada presente se movia sobre o fundo negro do universo; negro pintalgado de resplandecentes estrelas alvas. O presente é móvel, o presente é lábil, o presente é moldável; o passado é inalcançável; o futuro está por vir: é o porvir. Viajei pelo universo no pensamento para tentar entender. Uma abóbada de extremo anil estava logo acima das alvas nuvens bloqueando o olhar. As frequências azuis do espectro luminoso se espalhavam pela atmosfera incolor. Após ela, bem alto, tudo negro e alvo. Escuridão da falta de luz e clarão de luz abundante. É o universo, cheio de seus paradoxos.
Deixando de escrever no passado para escrever no presente (não sei se apenas verbal ou temporal), vejo um espaço-tempo preenchido por saltitantes bósons de Higgs. E um negro profundo que representa a infinitude do universo retorcido sobre si mesmo, tornando circular o caminho de alta velocidade da luz. Chego a ouvir o som de fundo que invade cada parte, cada espaço interbósico do absoluto nada, que envolve a matéria, anulada pela antimatéria, e a carga positiva, anulada pela carga negativa; som esse produzido em um passado muito remoto, remontando mesmo ao tempo em que não existia tempo, não podendo ser, portanto, chamado de passado; som gerado pela grande explosão do nada, que cansou de ser nada e resolveu se tornar um tudo também cheio de nada (tom crítico aqui em relação ao nada; ou a tudo).
Como colunas de estalactites e estalagmites, supernovas e galáxias se mostram galhardíssimas. Explosão de cores e formas; formas sem forma, formas sendo formadas, formas sendo desformadas. Luz em partícula, luz em onda; luz material e energética; luz absorta pelo olhar terráqueo; olhar boquiaberto. Eu, estupefato, orbito estrelas em uma épica prosopopeia invertida: odisseia digna de epopeia. O universo é uma zona abissal de profundezas cálidas dos oceanos da Terra. Metaforizado assim com luzes e gargantas: luzes estelares e gargantas de extrema densidade pontual; pontos de buracos negros ávidos por luz, famintos por luz. Buracos negros sugam luz como uma sanguessuga suga sangue (sugado pela aliteração cósmica). Cometas com metas de colisão riscam um risco ríspido no irriscável nada (aliteração alienígena alienada).
Excedo as fronteiras do universo e alcanço um lugar inalcançável, um lugar inexistente, sem espaço e sem tempo; transcendo as barreiras do espaço-tempo. Aqui Einstein não chegou. Eu não estou aqui; ninguém está aqui; nada está aqui. Os limites espaciais e temporais de tudo o que se conhece e ainda de tudo que se não conhece ficaram para trás. Daqui eu posso ver tudo como se estivesse assistindo a peixes em um aquário. Seguindo a lógica atemporal do extra universo, vejo tudo passar como se fosse em um filme de duração infinita e, ao mesmo tempo, estático como uma fotografia. Em cada substância, em cada matéria, em cada energia, vejo proporções áureas sendo formadas e desformadas. Estrelas também se formam e desformam constantemente, tornando o universo semelhante a uma noite de lua nova povoada por piscantes vaga-lumes. Vejo cada estrela, cada luz, cada corpo, cada acontecimento como um gato de Schrödinger, ora aqui, ora ali, ora vivo, ora morto.
É aqui que eu percebo que o tempo contado por um relógio é um tempo relativo; uma medida compreensível para um ser temporal. E já não era sem tempo. Momento histórico (de história passada)! O tempo é dinâmico; tão dinâmico quanto o presente. Mas o tempo existe; o tempo e o espaço: o espaço-tempo. E o presente faz parte do tempo. Então o presente também deveria existir. É aí que me contradigo sem me aperceber disso. Talvez tudo isso seja imperceptível. Ou não. Talvez o tempo me faça mudar de ideia. O presente é um tempo relativo, assim como o tempo é de tempo relativo. A relatividade é geral. O passado engoliu o tempo em que eu escrevia, não mais escrevo, esse texto inútil. Quanto ao tempo que eu gastei para escrevê-lo, é muito relativo; e ficou perdido algures no passado. Tempo pretérito. Tempo ínfimo. Momento ínfimo do ínfimo tempo do presente.

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