terça-feira, 18 de outubro de 2016



A onça

Quem anda pelas sombrias matas do Brasil, seja para caçar as cinegéticas espécies que as habitam ou para estudar nossa rica e admirável fauna e flora, sempre se depara com situações inusitadas e intrigantes, algumas delas podendo se tornar verdadeiras histórias.
            Como naturalista, tenho tido constante contato com a natureza selvagem, extraindo dela conhecimento e, indiretamente, lazer, pelo ato prazeroso que é o simples andar por uma trilha no interior de nossas matas luxuriantes, observando os troncos cobertos de musgos e líquens e repletos de belas tilândsias e bromélias; bromélias que carregam um micro mundo em seu fitotelma, abrigando uma estonteante diversidade de vida em um pouco de água acumulada entre as folhas em roseta. Sem falar nas espetaculares orquídeas, que ostentam das mais belas flores encontradas em qualquer vegetação tropical, alimentada pelo brilho de vida do sol que corta poderosamente a linha do Equador.
            Foi em uma de minhas excursões pela paisagem natural da Mata Atlântica mineira que eu tive meu primeiro encontro com a suçuarana. Era noite. Luzes, apenas das lanternas; minha e de um único companheiro de campo. A escuridão noturna envolvia tudo que não estava ao alcance das lanternas. Aqui e ali piscantes pirilampos maculavam de fraca luz pontos esparsos na densa e monótona negritude. Os sons da noite tomavam conta da trilha sonora, soando trinados de grilos, um e outro curiango com seu onomatopeico canto e, para tornar a noite ainda mais extasiante, o esdrúxulo canto do urutau cortava a escuridão noturna de tempos em tempos.
            Foi nessa paisagem assustadora e ao mesmo tempo acolhedora que, em um randômico movimento da lanterna, a luz cortou algo brilhante, que reluzia aos nossos olhos. A certa distância, dois olhos de animal noturno nos observava. Ao direcionar as lanternas ao duplo ponto brilhante, o animal permanecia imóvel, estando o corpo quase que totalmente protegido à vista pelos troncos das árvores. Com a ajuda da fraca luz que chegava ao bicho pudemos identificar a silhueta da cabeça: era a onça. Quando a lanterna era desviada dos atentos olhos da fera, essa se esquivava furtivamente, ocultando-se logo após na vegetação e nos observando de olhos fitos quando a luz voltava a tocá-los.
            Nessa dinâmica de luzes e movimentos furtivos a fera foi se distanciando e, por fim, perdemo-la de vista. Foi uma experiência bem animadora. Continuamos nossa caminhada pela floresta, porém não mais com a mesma tranquilidade e confiança. A todo o momento parecia-nos estarmos sendo seguidos, mesmo tendo em mente que o animal não oferecia perigo em tais circunstâncias.
            Foi em um momento de desconfiança que clareei com a lanterna, agora já descarregada e com facho de luz bem fraco, a retaguarda. Nesse momento, um brilho como que refletido por luz ofuscante a baixa altura e pouca distância vinha em movimento furtivo em nossa direção. Por um lapso de tempo aterrei-me e, instintivamente, alarmei para que meu companheiro de campo também se voltasse e clareasse com sua lanterna, que era mais potente, a fim de verificar do que se tratava a tal visão. Nesse momento de tensão, em que deveríamos lutar pela nossa sobrevivência caso algo realmente perigoso estivesse ao nosso encalço, nos posicionamos defensivamente e, agora com a luz das duas lanternas, pudemos identificar ao certo o que nos ameaçava: era um vaga-lume.

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