segunda-feira, 19 de junho de 2017

Andorinhões, aves de extremos

Um bando errático de pássaros anegrados maculam e riscam o azul penetrante do lábaro de verão. São os mais habilidosos voadores que os céus são orgulhosos de apresentar. Têm no ar o seu leito e no vento a sua vereda. Seu rosto está constantemente arrefecido pela brisa fresca das alturas e suas asas cortam a atmosfera como lâminas afiadas, sustentando-os acima dos outeiros com a leveza de algodão e a aerodinâmica de mísseis.
Em sua eterna rota, rabiscando com destreza a abóbada celeste, esses pássaros capturam constantemente o plâncton aéreo, com a maestria de cardumes de arenques nas aparatosas águas de branda temperatura dos mares temperados. Comem animalejos diversos que viajam nas asas do vento, como insetos alados e mesmo pequenas aranhas, incríveis viajantes de paraquedas.
Algumas espécies realizam migrações intercontinentais, cruzando a bruma do mar alto e voando dia e noite sem parar. Essas avezinhas não precisam de descanso. Podem voar até duas estações sem pousar. Dormem deitados ao vento, sendo acariciados pelos tufões das tempestades. Quando o céu se enegrece e pesadas nuvens descem ameaçadoramente, liberando energia, luz e ruído, lá estão as aves do temporal, deleitando-se com o mau tempo e furando os pés de vento prazerosamente.
São aves de extremos. Têm prazer nas adversidades. Não só as águas da chuva lhes trazem regozijo. Por trás do véu das cascatas, dependurados em cachos nos rochedos verticais molhados constantemente pelo eterno sereno, lá estão eles, com plumagem cinzenta, de aparência grotesca e obsoleta. No crepúsculo, vê-se o voo acrobático e magistral dos enormes bandos contra o rubor do sol poente, seguindo a melodia do turbilhão das cataratas. Cortam com aventuroso adejo a cortina das perigosas cachoeiras como se apenas atravessassem os umbrais de suas confortáveis moradas. Os pés são capazes de se empoleirar nas pedras verticais e incapazes de fazê-lo em galhos finos e fios como os outros pássaros. São mesmo aves insólitas.

sexta-feira, 16 de junho de 2017

Flor afortunada

Apenas passeava pelos campos floridos que sumiam de vista no horizonte, chegando até onde, paulatinamente, o verde salpicado das mais variadas cores se encontrava com o azul celeste, que àquele momento estava imaculado e com quase perfeita uniformidade. Apenas tons esmaecidos de lilás se formavam onde os olhos já não podiam distinguir bem as figuras; e um aro mais claro se fazia em volta do sol, que parecia afastar aquele azul, talvez por inveja. Era manhã, mas o sol já brilhava alto e já carregara o frio e a bruma.
            A valsa dos galhardíssimos ramalhetes de flores bulidos pela leve brisa confundia e hipnotizava o olhar, estorvando as percepções de cores: aquilo tudo parecia uma mescla de tons, como num desvario dos sentidos. Sentei-me em uma pedra que se destoava da paisagem para observar aquele espetáculo estonteante sem sentir vertigens.
            Suave sinfonia formada pelo canto dos sabiás e o murmúrio de um riacho que serpenteava por entre as pedras polidas era carregada no vento como melodia melíflua e agora roubava-me, a seu bel-prazer, o sentido de audição. Estavam afinadíssimos e se expressavam conjuntamente como uma orquestra: o som de um preenchia as pausas do outro.
            Uma voz tênue e aprazível entrou no ambiente sonoro como se a composição chegasse ao coro. Só distingui bem a origem do som quando, ao longe, vi uma bela figura que, sem perceber minha presença, colhia flores com um cesto pendendo-se do braço e cantarolava alegremente. As flores pareciam se curvar e reunir em volta da orla daquele longo e simples vestido.
            Aquela figura se desavia completamente daquela paisagem, apesar de ter a formosura das flores que compunham boa parte do que os olhos podiam apalpar em seu vislumbre. Tal discrepância me fez recuperar os sentidos que há muito já não me faziam perceber o ambiente em volta com clareza. Escondi-me para não comprometer as atividades da moça.
            A paisagem que agora estava diante de mim se assemelhava mais ao crepúsculo assistido das lindas praias tropicais. Todo o azul do mar e do céu, que vistos dessa perspectiva se mesclam formando um único azul, pareciam estar condensados naquele par de olhos, que se mostravam desconfiados como os das gazelas. Faltavam a eles as ondas dóceis e serenas do mar calmo. Mas essas estavam nas lindas mechas que lhe desciam pelo rosto, delimitando os desenhos mais singelos que já havia visto, passavam pelos ombros e varriam os ramos mais altos.
            O enrubescer do sol poente estava sobre seus pômulos inocentes e o doirado da espuma de arrebentação formava-se em seus loiros cabelos. Então me chamou a atenção uma flor vermelha que ornava as mechas cor d’oiro e se mostrava maior e mais esplendorosa que todas as que rodeavam a bela camponesa. Aquela era a flor mais afortunada de todas; e estava radiante por isso. Quisera eu ser aquela flor, seguindo a doce donzela por onde quer que fosse. Não sendo isso possível, pelo menos me deleitaria em ser aquelas flores menos sortudas que eram pisadas como que sendo massageadas por aqueles afáveis pés descalços. Afortunadas flores!

terça-feira, 13 de junho de 2017

Maiada

A vaca maiada trevessô a istrada.
Eta vaca danada!
Vô pegá um maio e dá uma maiada
Na cacunda dessa ingastaiada.

Num vai não sinhô.
Agora cê me provocô.
Te tomo o maio e te dismaio.
Essa vaca é minha desde maio.
Cê pidiu míli conto e eu te maiei;
Míli conto e um arrêi.

Intônci me paga, mula véia.
Te cepo um trem na ideia.

Cepadas e maiadas!