quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

 Nostalgia


Velho, cansado, desesperançoso, sem perspectiva. Das alegrias e mazelas, só lembranças. Vagas lembranças. Cheias de melancolia. Um peso insuportável para os mais fortes lombos. Peso de nostalgia. Lembranças de uma vida que se foi tão rapidamente apesar das intensidades. Feridas que um coração parecia não ser capaz de suportar por muito tempo, mas que estiveram abertas por uma vida. 

Os parentes de gerações passadas já não existem. Amigos da juventude ficaram para trás. Uns evoluíram, passaram por uma vida com propósito. Pisaram cada degrau da escada da vida sem saltar nenhum. Tiveram uma vida com início, meio e fim. Outros se distanciaram pelas circunstâncias da vida. Lembram-se uns dos outros, mas estão muito ocupados para mandar mensagem. Às vezes temem já terem diferenciado muito e já não encontrarem assunto em comum. Ou às vezes se envergonham de não terem mudado nada. 

Velho, cansado, solitário. Assistindo a rua através da janela semiaberta. O que passava despercebido nos tempos da juventude, hoje são detalhes importantes: a chuva, o cavalo que passa na rua, o filho do vizinho que não trabalha nem estuda, a lâmpada do poste que essa noite não acendeu. 

Abandonado pelo destino e pelo tempo. Vivendo dias que se sabe serem os últimos. Últimos anos de uma vida longa sem sucessão de fatos. Uma vida monótona e estagnada nos primeiros degraus da escada. Olhar para o passado traz memórias da força e vigor que se tinha e que hoje se esvaíram. Olhar para o passado traz momentos de alegria e tristeza que hoje parecem não exalar sentimento nenhum. Feridas cicatrizadas num coração já coriáceo de sucessivos traumas.

O tempo já parece passar diferente. A idade está constante por não ter espaço para mais envelhecimento. A cadeira de balanço é confortável durante horas. A hiperatividade e a ansiedade deram lugar a uma pachorra cheia de indisposição e dores nas articulações. 

Figuras humanas que o cérebro gravou durante a caminhada só trazem nostalgia. Assim como momentos vividos. Quer bons, quer ruins. Pessoas com quem se viveu boas experiências já não são recordadas pelo cérebro já decadente. O tempo quebra laços e cria laços. Laços que não se queria quebrar. Mas o tempo é quem dita os eventos. Ninguém controla o tempo senão ele próprio. Uma vida pela qual tantas pessoas passaram está prestes a terminar desacompanhada. 

O dia escolhido chega. É hora de dizer adeus à rua por onde passa o cavalo e o filho do vizinho. É hora de sentar por uma última vez nesse sofá onde horas a fio costumavam ser expendidas em pensamentos nostálgicos. Dessa vez não dá pra quebrar o clima indo até a cozinha comer um pedaço de queijo e beber uma xícara de café. O peito dói. O peso de todas as décadas vividas e sofridas aperta o peito e não solta mais. Não há ninguém que se possa chamar e pedir ajuda. O momento da partida chega sem se dar conta. E nunca se saberá se um dia o corpo foi sepultado.

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