O presente
Presente não existe; faz parte da alienação da
mente humana incapaz de entender o universo, o espaço-tempo que nos envolve de
todas as formas. Talvez eu pudesse dizer que o presente é demasiadamente
dinâmico para ser nomeado: antes que possa receber um nome, já deixou de ser. O
presente começa a ser e deixa de ser a todo instante, não sendo, portanto,
possível contabilizar o seu tempo. Ele dura apenas instantes incalculáveis;
instantes de tempo indeterminado; ou mesmo instantes sem tempo, talvez sem
instantes. O passado, sim, existe, ou existia, ou existiu, ou existira; e
cresce a cada instante. Quanto tempo dura um instante? São cousas que a mente
humana é incapaz de compreender. Eu também não compreendo; estou escrevendo sem
compreender; escrevendo sobre algo que nem sou capaz de escrever; escrevendo
simplesmente porque quero escrever, teimo em escrever. Digo, porém, que o
presente sempre está presente, e sempre esteve presente, e sempre estará
presente. O tempo sempre te presenteará com o presente.
O passado engole o futuro constantemente como uma
muçurana engolindo outra cobra de mesma espessura que ela. É como se dois
corpos antes distintos se fundissem e ocupassem o mesmo lugar no espaço. E esse
momento da deglutição é o presente. Então o presente é constante? Ou o presente
nem mesmo existe? Parece que o que realmente existe é um puro passo do passado
ao futuro: passando do passado com um passo. Até mesmo o passado passa para o
passado do passado: o pretérito-mais-que-perfeito. Mas, que perfeito! É o
domínio do pretérito. Mas o que é o passado além de um futuro abandonado e
empoeirado como um livro velho em uma estante?
Procurei compreender o presente na física, na malha
espaço-tempo, na Teoria da Relatividade Geral de Einstein. O que encontrei foi
um vídeo, onde uma barra chamada presente se movia sobre o fundo negro do
universo; negro pintalgado de resplandecentes estrelas alvas. O presente é
móvel, o presente é lábil, o presente é moldável; o passado é inalcançável; o
futuro está por vir: é o porvir. Viajei pelo universo no pensamento para tentar
entender. Uma abóbada de extremo anil estava logo acima das alvas nuvens
bloqueando o olhar. As frequências azuis do espectro luminoso se espalhavam
pela atmosfera incolor. Após ela, bem alto, tudo negro e alvo. Escuridão da
falta de luz e clarão de luz abundante. É o universo, cheio de seus paradoxos.
Deixando de escrever no passado para escrever no
presente (não sei se apenas verbal ou temporal), vejo um espaço-tempo
preenchido por saltitantes bósons de Higgs. E um negro profundo que representa
a infinitude do universo retorcido sobre si mesmo, tornando circular o caminho
de alta velocidade da luz. Chego a ouvir o som de fundo que invade cada parte,
cada espaço interbósico do absoluto nada, que envolve a matéria, anulada pela antimatéria,
e a carga positiva, anulada pela carga negativa; som esse produzido em um
passado muito remoto, remontando mesmo ao tempo em que não existia tempo, não
podendo ser, portanto, chamado de passado; som gerado pela grande explosão do
nada, que cansou de ser nada e resolveu se tornar um tudo também cheio de nada
(tom crítico aqui em relação ao nada; ou a tudo).
Como colunas de estalactites e estalagmites,
supernovas e galáxias se mostram galhardíssimas. Explosão de cores e formas;
formas sem forma, formas sendo formadas, formas sendo desformadas. Luz em
partícula, luz em onda; luz material e energética; luz absorta pelo olhar
terráqueo; olhar boquiaberto. Eu, estupefato, orbito estrelas em uma épica
prosopopeia invertida: odisseia digna de epopeia. O universo é uma zona abissal
de profundezas cálidas dos oceanos da Terra. Metaforizado assim com luzes e gargantas:
luzes estelares e gargantas de extrema densidade pontual; pontos de buracos
negros ávidos por luz, famintos por luz. Buracos negros sugam luz como uma
sanguessuga suga sangue (sugado pela aliteração cósmica). Cometas com metas de
colisão riscam um risco ríspido no irriscável nada (aliteração alienígena
alienada).
Excedo as fronteiras do universo e alcanço um lugar
inalcançável, um lugar inexistente, sem espaço e sem tempo; transcendo as
barreiras do espaço-tempo. Aqui Einstein não chegou. Eu não estou aqui; ninguém
está aqui; nada está aqui. Os limites espaciais e temporais de tudo o que se
conhece e ainda de tudo que se não conhece ficaram para trás. Daqui eu posso
ver tudo como se estivesse assistindo a peixes em um aquário. Seguindo a lógica
atemporal do extra universo, vejo tudo passar como se fosse em um filme de
duração infinita e, ao mesmo tempo, estático como uma fotografia. Em cada
substância, em cada matéria, em cada energia, vejo proporções áureas sendo
formadas e desformadas. Estrelas também se formam e desformam constantemente,
tornando o universo semelhante a uma noite de lua nova povoada por piscantes
vaga-lumes. Vejo cada estrela, cada luz, cada corpo, cada acontecimento como um
gato de Schrödinger, ora aqui, ora ali, ora vivo, ora morto.
É aqui que eu percebo que o tempo contado por um
relógio é um tempo relativo; uma medida compreensível para um ser temporal. E
já não era sem tempo. Momento histórico (de história passada)! O tempo é
dinâmico; tão dinâmico quanto o presente. Mas o tempo existe; o tempo e o
espaço: o espaço-tempo. E o presente faz parte do tempo. Então o presente
também deveria existir. É aí que me contradigo sem me aperceber disso. Talvez
tudo isso seja imperceptível. Ou não. Talvez o tempo me faça mudar de ideia. O
presente é um tempo relativo, assim como o tempo é de tempo relativo. A
relatividade é geral. O passado engoliu o tempo em que eu escrevia, não mais
escrevo, esse texto inútil. Quanto ao tempo que eu gastei para escrevê-lo, é
muito relativo; e ficou perdido algures no passado. Tempo pretérito. Tempo
ínfimo. Momento ínfimo do ínfimo tempo do presente.
Soberbo!
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