A onça
Quem anda pelas sombrias matas do Brasil,
seja para caçar as cinegéticas espécies que as habitam ou para estudar nossa
rica e admirável fauna e flora, sempre se depara com situações inusitadas e
intrigantes, algumas delas podendo se tornar verdadeiras histórias.
Como naturalista, tenho tido
constante contato com a natureza selvagem, extraindo dela conhecimento e,
indiretamente, lazer, pelo ato prazeroso que é o simples andar por uma trilha
no interior de nossas matas luxuriantes, observando os troncos cobertos de
musgos e líquens e repletos de belas tilândsias e bromélias; bromélias que
carregam um micro mundo em seu fitotelma, abrigando uma estonteante diversidade
de vida em um pouco de água acumulada entre as folhas em roseta. Sem falar nas
espetaculares orquídeas, que ostentam das mais belas flores encontradas em
qualquer vegetação tropical, alimentada pelo brilho de vida do sol que corta
poderosamente a linha do Equador.
Foi em uma de minhas excursões pela
paisagem natural da Mata Atlântica mineira que eu tive meu primeiro encontro
com a suçuarana. Era noite. Luzes, apenas das lanternas; minha e de um único
companheiro de campo. A escuridão noturna envolvia tudo que não estava ao
alcance das lanternas. Aqui e ali piscantes pirilampos maculavam de fraca luz
pontos esparsos na densa e monótona negritude. Os sons da noite tomavam conta
da trilha sonora, soando trinados de grilos, um e outro curiango com seu
onomatopeico canto e, para tornar a noite ainda mais extasiante, o esdrúxulo
canto do urutau cortava a escuridão noturna de tempos em tempos.
Foi nessa paisagem assustadora e ao
mesmo tempo acolhedora que, em um randômico movimento da lanterna, a luz cortou
algo brilhante, que reluzia aos nossos olhos. A certa distância, dois olhos de
animal noturno nos observava. Ao direcionar as lanternas ao duplo ponto
brilhante, o animal permanecia imóvel, estando o corpo quase que totalmente
protegido à vista pelos troncos das árvores. Com a ajuda da fraca luz que
chegava ao bicho pudemos identificar a silhueta da cabeça: era a onça. Quando a
lanterna era desviada dos atentos olhos da fera, essa se esquivava
furtivamente, ocultando-se logo após na vegetação e nos observando de olhos
fitos quando a luz voltava a tocá-los.
Nessa dinâmica de luzes e movimentos
furtivos a fera foi se distanciando e, por fim, perdemo-la de vista. Foi uma
experiência bem animadora. Continuamos nossa caminhada pela floresta, porém não
mais com a mesma tranquilidade e confiança. A todo o momento parecia-nos
estarmos sendo seguidos, mesmo tendo em mente que o animal não oferecia perigo
em tais circunstâncias.
Foi em um momento de desconfiança
que clareei com a lanterna, agora já descarregada e com facho de luz bem fraco,
a retaguarda. Nesse momento, um brilho como que refletido por luz ofuscante a
baixa altura e pouca distância vinha em movimento furtivo em nossa direção. Por
um lapso de tempo aterrei-me e, instintivamente, alarmei para que meu
companheiro de campo também se voltasse e clareasse com sua lanterna, que era
mais potente, a fim de verificar do que se tratava a tal visão. Nesse momento
de tensão, em que deveríamos lutar pela nossa sobrevivência caso algo realmente
perigoso estivesse ao nosso encalço, nos posicionamos defensivamente e, agora
com a luz das duas lanternas, pudemos identificar ao certo o que nos ameaçava:
era um vaga-lume.
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