Texto em branco
Nada para escrever. Mas a caneta teima em
riscar o papel; teima em deixar suas pegadas na alvura do papel. Viajo com o pensamento para procurar alguma inspiração, ainda
que longe, mas não encontro. Vontade de escrever. Fico olhando para o papel
enquanto a caneta risca meia dúzia de palavras sem sentido. Nesse momento,
minha atenção se volta para a tinta da caneta sendo deixada nas fibras de
celulose do papel. Enquanto a caneta desliza, um fio de tinta fica impregnado,
como o fio de muco deixado por uma lesma que rasteja. Bem, mais interessante do
que isso é que, à medida que meus dedos se movem de forma calculada, a caneta
vai fazendo curvas, obedecendo aos movimentos dos dedos que, por sua vez,
obedecem aos impulsos do cérebro. Incrível! O que são letras? O que são
palavras? O que é um texto?
Bem, primeiramente uma sequência de sinapses
no cérebro. Impulsos nervosos. Ah! A inspiração. Esses impulsos comandam os
movimentos dos dedos, que movem a caneta sobre o papel. Essa faz voltas e mais
voltas e, letra após letra, escreve uma palavra. Palavras são apenas rabiscos
em uma folha branca. E textos são apenas grupos de rabiscos; rabiscos
gregários. E qual o sentido das palavras? Qual o sentido de um texto? Bem, esse
aqui não tem sentido, mas o sentido geral de um texto é o mesmo sentido que tem
a inspiração que faz o cérebro mandar mensagem para a mão, que escreve o texto.
Textos são mesmo incríveis. Escrever é simplesmente extraordinário. Sensação
metalinguística! Bom, chega de enrolação. Vamos procurar inspiração para
escrever um texto que realmente faça sentido.
Levanto da cadeira; olho pela janela. Lá fora
os pássaros estão cantando. Uma leve brisa balança os galhos frágeis das
árvores. O céu está colorido. No horizonte, o rubror da aurora ainda permanece.
Um pouco mais acima, um tom lilás. No meio do céu, um azul profundo. Algumas
poucas nuvens brancas. Mas, e a inspiração? Apesar da beleza do amanhecer, não me
vem nada à cabeça para escrever.
Volto para a cadeira. Olho para o papel.
Tento completar o pouco que eu já rabisquei. Tento encontrar o sentido das
palavras. Um forte vento assopra e vira a página. Também, eu não deveria estar
tentando escrever no rumo da janela. Sento em outra cadeira, fora da direção da
janela. Olho novamente para o papel e vejo simplesmente palavras sem sentido; texto
em branco. Olho para as paredes, para o teto, para os móveis; e a inspiração
não vem. Fixo o olhar em um ponto qualquer; um ponto em branco; um ponto sem
ponto; um ponto aleatório do plano cartesiano da parede, formado pelos eixos x
e y da minha imaginação. E nada. Bem, não é hoje que eu vou produzir um texto.
Desisto. Nada para escrever.
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