sexta-feira, 16 de junho de 2017

Flor afortunada

Apenas passeava pelos campos floridos que sumiam de vista no horizonte, chegando até onde, paulatinamente, o verde salpicado das mais variadas cores se encontrava com o azul celeste, que àquele momento estava imaculado e com quase perfeita uniformidade. Apenas tons esmaecidos de lilás se formavam onde os olhos já não podiam distinguir bem as figuras; e um aro mais claro se fazia em volta do sol, que parecia afastar aquele azul, talvez por inveja. Era manhã, mas o sol já brilhava alto e já carregara o frio e a bruma.
            A valsa dos galhardíssimos ramalhetes de flores bulidos pela leve brisa confundia e hipnotizava o olhar, estorvando as percepções de cores: aquilo tudo parecia uma mescla de tons, como num desvario dos sentidos. Sentei-me em uma pedra que se destoava da paisagem para observar aquele espetáculo estonteante sem sentir vertigens.
            Suave sinfonia formada pelo canto dos sabiás e o murmúrio de um riacho que serpenteava por entre as pedras polidas era carregada no vento como melodia melíflua e agora roubava-me, a seu bel-prazer, o sentido de audição. Estavam afinadíssimos e se expressavam conjuntamente como uma orquestra: o som de um preenchia as pausas do outro.
            Uma voz tênue e aprazível entrou no ambiente sonoro como se a composição chegasse ao coro. Só distingui bem a origem do som quando, ao longe, vi uma bela figura que, sem perceber minha presença, colhia flores com um cesto pendendo-se do braço e cantarolava alegremente. As flores pareciam se curvar e reunir em volta da orla daquele longo e simples vestido.
            Aquela figura se desavia completamente daquela paisagem, apesar de ter a formosura das flores que compunham boa parte do que os olhos podiam apalpar em seu vislumbre. Tal discrepância me fez recuperar os sentidos que há muito já não me faziam perceber o ambiente em volta com clareza. Escondi-me para não comprometer as atividades da moça.
            A paisagem que agora estava diante de mim se assemelhava mais ao crepúsculo assistido das lindas praias tropicais. Todo o azul do mar e do céu, que vistos dessa perspectiva se mesclam formando um único azul, pareciam estar condensados naquele par de olhos, que se mostravam desconfiados como os das gazelas. Faltavam a eles as ondas dóceis e serenas do mar calmo. Mas essas estavam nas lindas mechas que lhe desciam pelo rosto, delimitando os desenhos mais singelos que já havia visto, passavam pelos ombros e varriam os ramos mais altos.
            O enrubescer do sol poente estava sobre seus pômulos inocentes e o doirado da espuma de arrebentação formava-se em seus loiros cabelos. Então me chamou a atenção uma flor vermelha que ornava as mechas cor d’oiro e se mostrava maior e mais esplendorosa que todas as que rodeavam a bela camponesa. Aquela era a flor mais afortunada de todas; e estava radiante por isso. Quisera eu ser aquela flor, seguindo a doce donzela por onde quer que fosse. Não sendo isso possível, pelo menos me deleitaria em ser aquelas flores menos sortudas que eram pisadas como que sendo massageadas por aqueles afáveis pés descalços. Afortunadas flores!

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