Vida no solo
Ora, quem não se maravilha ao contemplar o
voo acrobático dos taperuçus atravessando o véu das mais esplêndidas cascatas e
apanhando insetos no ar com suprema maestria? Ou a altivez do voo da águia,
que parte da penha para deslizar suavemente sobre as termais? Afinal, o voo é o
diferencial admirável das aves.
Quanto a mim, deleito-me mais em ouvir o
grave som da voz do jaó e o crepitar das folhas sob os leves e sorrateiros passos
de sua carreira nas partes umbrosas da floresta. Passos em fileirinha sobre o
manto de folhas secas que recobre o solo. Uma cobertura que anuncia a passagem
de animais furtivos: passos quase imperceptíveis das tovacas, passos
saltitantes das cutias, passos sólidos das antas, passos traiçoeiras das onças.
Ora, o tempo, que apaga d’alma a mágoa e seca
d’orvalho a água, também envelhece as folhas já saturadas do enfadonho processo
da fotossíntese. Ora, o vento, que balança e poliniza as flores e carreia seus
doces odores, também derruba as folhas já cambaleantes.
Ah o tempo! O tempo tudo muda. O tempo
derruba árvores centenárias e faz crescer verdejante tapete de musgos sobre
elas. O tempo e o orvalho. Chapéus de cogumelos brotam para ornamentar a
paisagem. Sobre esse palco canta o tovacuçu e a galinha do mato: um com voz de
barítono, outro com trinado soprano; a pariri faz o compasso com bombardão
gravíssimo.
Aos pés dos outeiros mais altos, as soqueiras
de samambaias parecem ornamentar a base dos picos, que se elevam como bastião
fortalecido por rochas reluzentes à luz do sol. É aí que andam furtivamente
como camundongos os negros tapaculos. Com voz de anfíbio, o macuquinho-perereca
se oculta à vista.
Paisagem visual e sonora. Viajo com o
pensamento por essa malha imagem-som como Einstein um dia viajou pela malha
espaço-tempo: ele cientista, eu poeta. Perco-me na narrativa. Que tem Einstein
com isso? Escrever é tornar explícito o que a mente esconde. Para um poeta, mantê-lo
escondido incomoda. Um macuco apita do poleiro.
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