domingo, 18 de março de 2018


Vida de poeta

Reconhecimentos póstumos: galardão de um poeta. As palavras dele correm soltas; inteligentemente; solenemente. Vêm do fundo da alma. Ou será que são forçadas? Gostaria de perguntá-lo a um poeta. Palavras têm grande valor, mas podem ser desdenhadas. Podem ser desdenhadas com o mesmo esmero com que são desenhadas. Palavras podem criar textos; ou serem textos por si mesmas. E o poeta é como um maestro que pode controlar tudo isso. Ele tem o poder sobre as palavras. Ou talvez as palavras têm poder sobre ele. Não sei bem como funciona.
Cada vez que penso em um poeta, penso em alguém morto. Todo poeta está morto? Talvez sim. Não sei se a definição da palavra me permite afirmar isso, mas afirmá-lo-ei de qualquer forma: qualquer poeta não é um poeta se ainda estiver vivo. É como se a carreira se concretizasse com a morte. E é como se a morte fosse o começo e não o fim. Talvez todo começo seja um fim e todo fim seja um começo, mas não tenho competência para afirmá-lo. Afirmá-lo-ei, não obstante. Afinal, não sou um varão de Plutarco, mas me é dada a autoridade de usar meu não muito desenvolvido intelecto para fazer assertivas de alto padrão intelectual. É o que chamamos de licença poética. Sou um poeta? Talvez não. Acho que não. Talvez serei um dia. Ou, pelo menos, morrerei um dia.
Se algum dia vires um poeta andando às soltas, conta-mo; conta-me como o afortunado adquiriu o título em vida. Um poeta não recebe nada por ser poeta; o é por paixão; uma paixão que o consome por toda a vida. A fama vem. O reconhecimento acontece um dia. Só esperam até que o poeta morra para então desabrocharem como a flor da noite, que só se abre na obscuridade. A obscuridade da morte traz as palavras, geralmente também obscuras, dos poetas mais afortunados, não de todos, à luz da aurora literária. Nos tempos de hoje se fala nos poetas de outrora. Nos tempos de amanhã falar-se-á nos poetas de hoje. Afinal, poeta bom é poeta morto.

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