Flor afortunada
Apenas passeava pelos campos
floridos que sumiam de vista no horizonte, chegando até onde, paulatinamente, o verde salpicado das mais variadas cores se encontrava com o azul
celeste, que àquele momento estava imaculado e com quase perfeita uniformidade.
Apenas tons esmaecidos de lilás se formavam onde os olhos já não podiam
distinguir bem as figuras; e um aro mais claro se fazia em volta do sol, que
parecia afastar aquele azul, talvez por inveja. Era manhã, mas o sol já
brilhava alto e já carregara o frio e a bruma.
A valsa dos
galhardíssimos ramalhetes de flores bulidos pela leve brisa confundia e
hipnotizava o olhar, estorvando as percepções de cores: aquilo tudo parecia uma
mescla de tons, como num desvario dos sentidos. Sentei-me em uma pedra que se
destoava da paisagem para observar aquele espetáculo estonteante sem sentir
vertigens.
Suave
sinfonia formada pelo canto dos sabiás e o murmúrio de um riacho que
serpenteava por entre as pedras polidas era carregada no vento como melodia melíflua
e agora roubava-me, a seu bel-prazer, o sentido de audição. Estavam
afinadíssimos e se expressavam conjuntamente como uma orquestra: o som de um
preenchia as pausas do outro.
Uma voz
tênue e aprazível entrou no ambiente sonoro como se a composição chegasse ao
coro. Só distingui bem a origem do som quando, ao longe, vi uma bela figura que,
sem perceber minha presença, colhia flores com um cesto pendendo-se do braço e cantarolava alegremente.
As flores pareciam se curvar e reunir em volta da orla daquele longo e simples vestido.
Aquela
figura se desavia completamente daquela paisagem, apesar de ter a formosura das
flores que compunham boa parte do que os olhos podiam apalpar em seu vislumbre.
Tal discrepância me fez recuperar os sentidos que há muito já não me faziam
perceber o ambiente em volta com clareza. Escondi-me para não comprometer as
atividades da moça.
A paisagem
que agora estava diante de mim se assemelhava mais ao crepúsculo assistido das
lindas praias tropicais. Todo o azul do mar e do céu, que vistos dessa
perspectiva se mesclam formando um único azul, pareciam estar condensados
naquele par de olhos, que se mostravam desconfiados como os das gazelas. Faltavam
a eles as ondas dóceis e serenas do mar calmo. Mas essas estavam nas lindas
mechas que lhe desciam pelo rosto, delimitando os desenhos mais singelos que já
havia visto, passavam pelos ombros e varriam os ramos mais altos.
O
enrubescer do sol poente estava sobre seus pômulos inocentes e o doirado da
espuma de arrebentação formava-se em seus loiros cabelos. Então me chamou a
atenção uma flor vermelha que ornava as mechas cor d’oiro e se mostrava maior e
mais esplendorosa que todas as que rodeavam a bela camponesa. Aquela era a flor
mais afortunada de todas; e estava radiante por isso. Quisera eu ser aquela
flor, seguindo a doce donzela por onde quer que fosse. Não sendo isso possível,
pelo menos me deleitaria em ser aquelas flores menos sortudas que eram pisadas
como que sendo massageadas por aqueles afáveis pés descalços. Afortunadas flores!
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