Universo sem filtro
Deixa-me prosar. Passarei a contar como é realmente o
universo. Como Deus o vê. Como os seres sobrenaturais o veem. É um universo sem
filtro. Tudo que há se vê. Não há limitação de existência nem de
sentidos para se detectar o que se há. Nada está escondido. Tudo se explicita aos
sentidos do observador. Tudo é palpável. Sentido por sentidos que nunca
sonharíamos em imaginar. Sem o filtro dos cinco sentidos. Sem o fardo que é o
corpo material, que torna translúcida a alma que doutra forma seria transparente.
As dimensões não são três só, nem quatro, nem mil. São infinitas. Tudo que no
nosso conhecimento é limitado, na verdade é infinito. Limitada é a nossa
capacidade de assimilá-lo.
O universo tem um som de fundo. Um som que se apresenta na
maneira que a matéria deforma o espaço-tempo. Um som que está em constante
melodia, formada pela movimentação e mutação do que se há. Uma música infinita
soando no infinito. Soando para nenhum ouvido ouvir. Soando sem se utilizar de
ondas sonoras. Porque os sentidos são apenas formas diferentes de se perceber o
mundo. Tudo que se ouve, pode-se ver. Tudo que se apalpa e se sente pode ser
ouvido. O ondular da água escorrendo em uma pedra, o balanço da areia à mercê
do vento ou da maré, a irregularidade do relevo, tudo pode ser sentido em ondas
sonoras. É tudo música. O universo é música. A chuva seria-nos uma melodia
grandiosa se pudéssemos ouvir de forma separada e reconhecível a ressonância de
cada pingo em cada superfície diferente.
Como Einstein previu, tudo é relativo. Um montinho de terra
é exatamente igual a uma montanha. A diferença é quanto zoom foi aplicado. Tudo
depende de que olhos estão olhando. A diferença não está nas coisas e sim no
tamanho do observador. Uma formiga é do mesmo tamanho de um hipopótamo e um
besouro tem as medidas de um automóvel. O arco-íris pode ser palpado e sentido como
gelatina imersa na água, mas também pode ser visto como uma estreita faixa no
céu que leva a potes de ouro, um sonho distante e impalpável.
Existe felicidade em tudo que se sente, e sente-se mais do
que se tem consciência. Tudo o que há pode ser sentido: as fibras musculares se
contraindo, o sangue se movimentando nos vasos sanguíneos, os líquidos dos
tecidos sofrendo osmose. Só não temos sentido para sentir tudo isso. Temos um
filtro que nos limita a quase zero. O ser que não possui esse filtro não
consegue sequer imaginar quão restritos são nossos sentidos. Apenas percebemos
uma fração insignificante do que é o universo. As coisas podem ser percebidas
com todos os infinitos sentidos em todos os níveis de aproximação no
microscópio do universo. Ele é muito mais infinito do que imaginamos. Infinitas
vezes.
Viajando na imensidão do espaço-tempo, ouço a imagem das
supernovas como se fosse um barítono em uma melodia infinita ou foguetes se
explodindo ao longe, nos horizontes indefiníveis do universo. Um show pirotécnico
de sons que não ouvimos e cores que não vemos. O ar só não tem cor porque nossa visão é incapaz de captar o tipo de onda emitida ou refletida pelas
moléculas. Em universos paralelos, os sentidos percebidos por nós devem estar
em outra faixa, incompreensíveis para nós neste universo. Se essas faixas não
se sobrepõem, um universo paralelo pode não ter nada que se assemelha com o que
há neste. Claro, segundo a nossa percepção.